Suas raízes mais remotas podem ser rastreadas até entre o
primeiro e o segundo milênio antes da nossa era, nas invasões indo-europeias,
que nos trouxeram a raiz dok-, da qual provém a palavra latina docere,
que por sua vez derivou em doctoris (mestre, o que ensina). Desta raiz
indo-europeia provém, da mesma forma, o vocábulo grego dokein do qual
se derivaram outras palavras da mesma família, tais como dogma, ortodoxia,
paradoxo e didática.
O termo Doutor está inserido em um cânon do ano 390, citado
por Marcel Ancyran, editado no Concílio de Sarragosse, onde não se podia
declinar essa qualidade sem a devida permissão. O título de Doutor foi
outorgado pela primeira vez aos filósofos – Doctores Sapientiae - e àqueles
que promoviam conferências públicas sobre temas filosóficos. Dessa forma
também se chamavam Doutores os advogados e juristas aos quais se atribuíam o
Jus Respondendi.
A partir do séc. XII a honraria passa a ser atribuída a
grandes filósofos como Santo Tomás de Aquino, Duns Scott, Rogério Bacon e
São Boaventura. No meio acadêmico, o título foi outorgado pela primeira vez a
um advogado, recebendo o título de Doctor Legum, em Bolonha, ao lado dos
Doctores És Loix, somente dado àqueles versados na ciência do Direito. Anos
depois a Universidade de Paris passou a conceder a honraria somente aos
diplomados em Direito, chamando-os de Doctores Canonum Et Decretalium. Depois
houve uma fusão entre os estudiosos do direito e do direito canônico, passando
a chamar os diplomados de Doctores Utruisque Juris.
Segundo o Alvará Régio editado por D. Maria de Portugal, os
bacharéis em Direito passaram a ter o direito ao tratamento de Doutor. Ainda, o
Decreto Imperial de 1º de agosto de 1825, que deu origem à Lei do Império de
11 de agosto de 1827, cria dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais e
introduz regulamento e estatuto para o curso jurídico, dispondo sobremaneira o
título de Doutor para o advogado.
Os cursos de doutorado em medicina ( MD ) e Philosofia( Ph.D
) somente foram criados em 1875, 652 anos depois da criação dos cursos de
doutorado de direito civil e direito canônico. Destarte, os médicos e
profissionais de outras ciências, na ausência de um doutorado próprio, quando
eram figuras eminentes na profissão, recebiam o Doutorado honorário, título
de "honoris causa" em direito civil ( LL.D). Hospeda-se então dizer
que o título de doutor foi uma dádiva dos juristas aos médicos.]
Todos os médicos da Rainha Victoria tinham que apresentar
seu título honorário de Doutor em direito civil para exercerem sua profissão.
O mesmo tratamento fora dispensado com Isaac Newton, Francis Bacon e Charles
Darwin, todos eles recipientes do LLD, pois, cientistas eminentes.
Dos advogados, médicos e demais profissões
O Decreto Imperial de 11 agosto de 1827, que criou os cursos
de Ciências Jurídicas no Brasil, conferiu aos advogados o título de doutor e,
por não ter sido até hoje expressamente revogado, ainda vigora.
Assim fundamentado, e não destarte pelas suas origens, o
título de Doutor é honraria legítima e originária dos Advogados inscrito na
Ordem dos Advogados do Brasil e não de qualquer outra profissão. A Bíblia, em
seu texto, se refere aos Doutores da Lei, jurisconsultos que interpretavam a Lei
de Moisés, e Phisicum aos curandeiros e médicos da época. Segundo Cardella, o
que houve foi literalmente usucapião por posse violenta por parte dos médicos
que passaram a ostentar a honraria, que no Brasil, é uma espécie de "collier
a toutes les bêtes", pois qualquer um que se vê possuidor de um diploma
universitário, se auto-doutora. [08]
Abordagem bastante precisa é a decisão judicial que
tramitou no Rio de Janeiro envolvendo um juiz que pleiteava tratamento formal de
Doutor por parte dos funcionários do condomínio onde residia. A tutela
jurídica lhe foi negada consusbstanciada tão somente no fato de que o juiz
não detinha título acadêmico de doutorado. Eis algumas linhas da sentença:
(...)Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o
respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não
se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o
requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua
conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não
deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de
incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho
eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal
dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo
Requerente. Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de
autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem
de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste
razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título
acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga
merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal
grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição
referir-se a outras pessoas de "doutor", sem o ser, e fora do meio
acadêmico.(...) [09]
Nos EUA e demais países de lingua inglesa os médicos são
chamados de doctor (médico), porém, ao escreverem artigos ou bordarem
seus jalecos não se utilizam do termo Doutor, mas apenas seu nome acompanhado
da abreviatura M.D., que significa medical degree – formado em medicina;
diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a quase totalidade dos médicos
assinam e se apresentam com o título de Doutor.