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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Doutor, um título acadêmico em constante usurpação

Suas raízes mais remotas podem ser rastreadas até entre o primeiro e o segundo milênio antes da nossa era, nas invasões indo-europeias, que nos trouxeram a raiz dok-, da qual provém a palavra latina docere, que por sua vez derivou em doctoris (mestre, o que ensina). Desta raiz indo-europeia provém, da mesma forma, o vocábulo grego dokein do qual se derivaram outras palavras da mesma família, tais como dogma, ortodoxia, paradoxo e didática.
O termo Doutor está inserido em um cânon do ano 390, citado por Marcel Ancyran, editado no Concílio de Sarragosse, onde não se podia declinar essa qualidade sem a devida permissão. O título de Doutor foi outorgado pela primeira vez aos filósofos – Doctores Sapientiae - e àqueles que promoviam conferências públicas sobre temas filosóficos. Dessa forma também se chamavam Doutores os advogados e juristas aos quais se atribuíam o Jus Respondendi.
A partir do séc. XII a honraria passa a ser atribuída a grandes filósofos como Santo Tomás de Aquino, Duns Scott, Rogério Bacon e São Boaventura. No meio acadêmico, o título foi outorgado pela primeira vez a um advogado, recebendo o título de Doctor Legum, em Bolonha, ao lado dos Doctores És Loix, somente dado àqueles versados na ciência do Direito. Anos depois a Universidade de Paris passou a conceder a honraria somente aos diplomados em Direito, chamando-os de Doctores Canonum Et Decretalium. Depois houve uma fusão entre os estudiosos do direito e do direito canônico, passando a chamar os diplomados de Doctores Utruisque Juris.
Segundo o Alvará Régio editado por D. Maria de Portugal, os bacharéis em Direito passaram a ter o direito ao tratamento de Doutor. Ainda, o Decreto Imperial de 1º de agosto de 1825, que deu origem à Lei do Império de 11 de agosto de 1827, cria dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais e introduz regulamento e estatuto para o curso jurídico, dispondo sobremaneira o título de Doutor para o advogado. 
Os cursos de doutorado em medicina ( MD ) e Philosofia( Ph.D ) somente foram criados em 1875, 652 anos depois da criação dos cursos de doutorado de direito civil e direito canônico. Destarte, os médicos e profissionais de outras ciências, na ausência de um doutorado próprio, quando eram figuras eminentes na profissão, recebiam o Doutorado honorário, título de "honoris causa" em direito civil ( LL.D). Hospeda-se então dizer que o título de doutor foi uma dádiva dos juristas aos médicos.]
Todos os médicos da Rainha Victoria tinham que apresentar seu título honorário de Doutor em direito civil para exercerem sua profissão. O mesmo tratamento fora dispensado com Isaac Newton, Francis Bacon e Charles Darwin, todos eles recipientes do LLD, pois, cientistas eminentes. 

Dos advogados, médicos e demais profissões

O Decreto Imperial de 11 agosto de 1827, que criou os cursos de Ciências Jurídicas no Brasil, conferiu aos advogados o título de doutor e, por não ter sido até hoje expressamente revogado, ainda vigora.
Assim fundamentado, e não destarte pelas suas origens, o título de Doutor é honraria legítima e originária dos Advogados inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e não de qualquer outra profissão. A Bíblia, em seu texto, se refere aos Doutores da Lei, jurisconsultos que interpretavam a Lei de Moisés, e Phisicum aos curandeiros e médicos da época. Segundo Cardella, o que houve foi literalmente usucapião por posse violenta por parte dos médicos que passaram a ostentar a honraria, que no Brasil, é uma espécie de "collier a toutes les bêtes", pois qualquer um que se vê possuidor de um diploma universitário, se auto-doutora. [08]
Abordagem bastante precisa é a decisão judicial que tramitou no Rio de Janeiro envolvendo um juiz que pleiteava tratamento formal de Doutor por parte dos funcionários do condomínio onde residia. A tutela jurídica lhe foi negada consusbstanciada tão somente no fato de que o juiz não detinha título acadêmico de doutorado. Eis algumas linhas da sentença:


(...)Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente. Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico.(...) [09]
Nos EUA e demais países de lingua inglesa os médicos são chamados de doctor (médico), porém, ao escreverem artigos ou bordarem seus jalecos não se utilizam do termo Doutor, mas apenas seu nome acompanhado da abreviatura M.D., que significa medical degree – formado em medicina; diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a quase totalidade dos médicos assinam e se apresentam com o título de Doutor.